terça-feira, 17 de maio de 2011

Dez anos de amestramento

Há momentos em que pensamos "nunca me hei-de esquecer deste momento e celebrá-lo-ei sempre". Um momento. Pode ser um sorriso, pode ser uma lágrima. Pode ser um reencontro, pode ser um adeus. Pode ser um cheiro, pode ser um pôr-do-sol, pode ser uma lua amarela e redonda quase a pousar no mar lá para os lados da Foz, no Porto. Podem ser soluços num balcão de embarque em Lisboa, prestes a entrar para um avião rumo aos EUA, podem ser sorrisos nas chegadas ao Porto.
Hoje venho aqui recordar o momento em que defendi uma tese que foi transpirada, até porque escrita maioritariamente no Verão de Braga, e o júri me congratulou pelo trabalho bem feito. No Domingo, dia 15 de Maio, fez dez anos que terminei o mestrado.
A própria tese?
Um estudo engraçado sobre um modelo extremamente intuitivo do comércio internacional mas que, por razões várias, normalmente não se porta bem quando sujeito a verificação empírica. Desenvolvido pelos economistas suecos Heckscher e Ohlin em meados dos anos 30, e daí que seja chamado de modelo de Heckscher-Ohlin, o modelo explica por que é que os países trocam produtos ou serviços entre si.
Fundamentalmente, os países trocam entre si porque são diferentes, e são diferentes porque diferem, passe a redundância, na quantidade de factores de produção de que dispõem. Não importa se um país é grande ou pequeno, o que importa é que a proporção de factores difira entre eles. O modelo sugere então que os países devem exportar os bens que usam em maior grau o factor de produção em que são abundantes e por sua vez importar aqueles bens que usam em maior grau o factor de produção em que são escassos.
Há um bocadinho de paleio técnico que estou a evitar, mas o cerne da questão é este. Por exemplo, se o Brasil tem bom tempo e boa terra e se os americanos têm malta empenhada e tecnicamente preparada, e se o café precisa de bom tempo e boa terra para que cresça e os aviões precisam de malta empenhada e tecnicamente preparada para serem produzidos, então é natural que o Brasil exporte café e os EUA exportem aviões. Faz sentido, não faz? De acordo com o modelo, se os países se especializarem de acordo com este padrão, o nível de vida de ambos melhora, tendo os países tanto mais a ganhar quanto mais diferentes forem entre si.
A figura abaixo representa o caso de dois países, um abundante em mão-de-obra, o país B, e o outro abundante em capital, o país A, ambos a produzirem jeans, intensivos em mão-de-obra, e telemóveis, intensivos em capital.* O modelo sugere que o país B exporte jeans e o país A exporte telemóveis. Uma vez que os recursos são escassos, os países fazem uma afectação mais eficiente dos recursos dedicando-se a produzir o bem que usa intensivamente o factor de produção em que cada um é abundante.

http://nobelprize.org/educational/economics/trade/ohlin.html

O meu estudo pegou na hipótese fulcral do modelo e aplicou-a ao comércio internacional regional de Portugal com os seus parceiros da União Europeia a, salvo erro, doze. E observei, entre outros, que por exemplo a região Norte exportava maioritariamente produtos do sector têxtil e vestuário, e importava coisas como máquinas e aparelhos, tal como o sugerido pela teoria quando atentávamos à qualificação da mão-de-obra e dotação de capital. Gostei muito do que estudei e ainda hoje me empolgo toda quando falo no assunto.
Se ficaram curiosos, a Nobelprize.org tem um artigo simpaticíssimo sobre este modelo.

*A palavra "intensivo" é um conceito relativo. Por exemplo, se um bolo precisa de quatro ovos e 100 gramas de farinha e um crepe precisa de um ovo e cinquenta gramas de farinha, é óbvio que o bolo precisa de quatro vezes mais ovos e duas vezes mais farinha do que o crepe. Logo, o bolo precisa de proporcionalmente mais ovos do que precisa de farinha relativamente ao crepe, sendo por isso intensivo em ovos (relativamente ao crepe).
Adenda culinária: não faço ideia de como se faz um crepe.

1 comentário:

  1. Percebi tudo e não foi preciso explicar como se eu tivesse 5 anos ...

    ResponderEliminar