sexta-feira, 1 de abril de 2011

Graçolas à Sexta #7: Fui ver, era o Ovário


Tem dias que sou assim, mais dada à poésia.
E hoje vós sois também. Dêmos as mãos e percorramos juntos este caminho, esta estrada, este amontoado de terra batida, para os mais sofisticados alcatroado, que é a vida.
Num esforço claro de exaltar o nível da confeitaria, hoje trago dois poemas de Carlos Carrapiço, poeta, escritor, um homem simples. A força, a raça, o genuíno. Corria o ano da graça de 1992.
Uma secretária pequenina em vez de uma horta, um lápis número dois em vez de uma enxada ou de um ancinho. A página em branco que ganha mácula sob o punho de um homem da terra ainda que o outro diga que os homens vêm de Marte e as mulheres vêm de Vénus. A mim tanto se me faz, desde que não tragamos para cá o coitado do Plutão, despromovido a reles "planeta anão" e a um número simplório como 134340, que nem teve a honra de incluir um dois, um cinco ou um sete, ficando-se só com um número primo lá meio. Até nisso lhe negaram uma família! Eu cá acho muito mal, mas adiante.
Voltemos então à produção hortícolo-verbal de Carrapiço, que com a sua Quinita, lá para os lados de Évora, abraçou o desafio que lhe lançou o patrão. Que beleza amigos, a simetria do desencontro, o ênfase da depressão no vislumbre da gralha. A coragem de pegar em Augusto Gil e assumir a cópia à mão, muito devagarinho, pois que senão não há tempo para cavar as batatas.
E, depois, uma visita ao poeta dos poetas lusitanos, ao Shakespeare de Portugal... Camões, o tal que no dia dez de Junho de 1580 viu partir a sua própria alma gentil e a quem nós agradecemos o feriado, especialmente quando calha à Terça ou à Quinta.
Alma minha, gentil, que te partiste,
Tão cedo desta vida descontente,
Será chuva, será gente
Gente não é, certamente,
E a chuva não bate assim.
Fui ver, 
Era o ovário.
A assunção da sexualidade feminina, a abordagem do tema tabu, a descoberta da beleza íntima da mulher. Ainda que afinal fosse apenas o Octávio.

Para aqueles que ficaram a matutar nisto... de Augusto Gil, a Balada da Neve,
Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.

É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...

Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.

Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho...

Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...

E descalcinhos, doridos...
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...

Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.

2 comentários:

  1. Mas no teu coração brilha, também, muito sol!

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  2. Afinal havia outro. Era o Octávio, o primo e quanto mais primo, mais ...não sei.

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