quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A Pépa desta semana chama-se Henrique

Soube desta pedrada no charco através da (minha sempre tão querida) Beijo-de-Mulata quando esta se confessou prestes a perder as estribeiras (palavras minhas). Moça de bom feitio que raramente se zanga, enfureceu-a o artigo As Crianças não são hiperactivas, são mal-educadas, da autoria de Henrique Raposo. Fui ver. Não era o ovário, mas andou lá perto. Considerações várias atabalhoaram-se em busca de uma clareza que, se chegou, entretanto se dissipou com o cansaço (são quase onze da noite e o João Pestana já me está a piscar o olho). O texto é tão rico em alarvidades que eu nem sei por onde lhe pegar.

A começar por algum lado, confesso que me incomodou o tom superficial e quase jocoso com que tratou a questão da hiperactividade, um problema que atormenta crianças, pais, e educadores e para o qual não há, infelizmente, "umas gotinhas de medicamento", antes as houvesse. {Eu tenho a sorte (Deus ma conserve) de não privar de perto com o problema, mas não há um texto do Jorge sobre os desafios que lhe apareceram no prato que não me deixe com um nó na garganta. Normalmente não comento, ele não precisa das minhas pancadinhas de "there, there" nas costas, mas há sempre vários comentários na caixa, em geral de pais nas mesmíssimas condições que sentem ali o amparo de não se saberem sozinhos. As queixas que têm da incapacidade de os professores orientarem melhor os seus meninos deixa-me sempre siderada.}

A par de muita falta de tacto e confusão, mas ó pá o Henrique é jornalista e não é médico e, parece-me, nem pai, ou se o é é de criança ainda a cheirar a novo, o moço teve o azar de ter uma saída infeliz publicada num sítio que muita gente lê. O que eu acho que ele queria dizer é que os putos são umas pestes e que bom bom seria gozar uma manhã no café sem a sua presença. Se era isto, ah grande Henrique! Eu até ando sempre a dizer a Monsieur Bolacha para irmos de férias para aqueles resorts que não admitem miúdos, detesto gritaria e os putos são uma chatice. Quase me atrevo a dizer que o melhor seria fechá-los numas cabaninhas tipo estufa e só os deixar sair quando tiverem, no mínimo, crescido da idade do armário que, cheira-me, é pior que a das birras.

Ultrapassada a questão do tiro no pé que foi o uso da hiperactividade como desculpa para o mau comportamento dos petizes, deixai-me dizer-vos que também eu já fui assim como o Henrique e que fui defensora dos castigos e da mão dura para com os maus comportamentos (seja lá o que isso for). Até que eu própria procriei e deixei de dizer "aqueles pais" para passar a dizer "os nossos filhos". Pude então aprender uma das primeiras e quiçá mais importantes lições que os filhos ensinam aos pais e que é que tudo aquilo que os ainda-não-pais atiram para o ar, sejam críticas mais ou menos veladas, sejam juras do tipo "eu nunca" ou "eu sempre", lhes cai em cima tipo bigorna de 500 toneladas. Tirei um curso nisto e a minha filha vai fazendo workshops regulares (diários?) de modo a que eu o mantenha bem presente.

Se a memória e experiência não me falham, o ruído feito pelas pestinhas é das primeiras coisas que um ainda-não-pai critica (agora notai o detalhe) na pequenada e na sua ascendência. Pois, porque se a criança grita e esbraceja e se atira para o chão e faz cair o Carmo e a Trindade a culpa, que não morre solteira, recai na sua totalidade sobre a malta que, dando-lhe o pão, (obviamente) não lhe dá a educação. Aqui até dou uma abébia ao Henrique e concedo que tal pode acontecer, pais há que não têm consideração nenhuma pelos demais e ignoram as criancinhas e os seus faux-pas sociais. Mas estes, acredito, estão em minoria. A maioria será, talvez, quiçá, porventura, constituída por malta que, querendo arejar as tranças, não tem mesmo outro remédio do que levar a descendência atrelada ou então, pasme-se, tem prazer na sua companhia. Outro grupo pretende socializar os bichinhos, que se querem futuros membros interessantes da sociedade e, como tal, devem aprender a comportar-se nela e com ela, uma espécie de immersion training.

O artigo do Henrique (ignorando a parte da estupidez da hiperactividade) fez-me lembrar-me de mim há uns anos, quando era uma gaja magra e gira e nova e ainda não tinha filhos. Agora, que sou menos magra, igualmente gira, e um bocadito menos nova, ainda me permito dizer que os putos são uns chatos e gritam muito alto e que é muito bom poder estar a um canto sossegada a enjoy the silence. E que é ainda melhor voltar para casa e fazer os meus próprios meninos rir histericamente de tantas cócegas. Mas sem incomodar os vizinhos. Claro.

4 comentários:

  1. Olá

    Já deixei um comentário no Beijo de mulata, não sei se viste.

    Este tema toca-me, porque todos os dias tenho que viver com ele... deixo-te aqui um link para um post que fiz há uns tempos.

    http://oqueeojantar.blogs.sapo.pt/372846.html

    Jorge

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  2. Aqui entre nós, li o tal texto do tal Henrique e não percebo qual é a polémica. Ele não fala de crianças verdadeiramente hiperactivas, mas de pais que se desculpam com uma hiperactividade que não existe. E olha que já ouvi conversas dessas... o miúdo tem más notas? Tem défice de atenção. Porta-se mal, arma birras insuportáveis? É hiperactivo. E aqui há uma culpa relativa de certos médicos, que não hesitam em atirar esse diagnóstico para a mesa, quando não têm conhecimentos específicos nem uma observação da criança que o permita. Uma colega de me mate, com um filho de 4 anos, 4!, ouviu isso da pediatra, que se calhar o filho era hiperactivo. Qual hiperactivo, é uma criança de 4 anos que brinca, que canta, que se distrai, que faz birras ocasionais.

    E quem se desculpa desta forma é que devia ofender quem realmente tem um filho hiperactivo, que é um problema sério, e que causa muito sofrimento não só aos pais como à própria criança.

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    1. Eu concordo com as duas. Acho que há muita leviandade no uso do termo, que é atirado às três pancadas por pais, professores e médicos sem pensar duas vezes, mas também sei que há crianças verdadeiramente hiperactivas, a quem não falta educação, mas apoio e tratamento médico e psicológico. Há que saber distinguir uns dos outros e saber dar a uns e outros aquilo de que efectivamente precisam.
      Acho que a Rita é que disse tudo, este senhor gosta é de atirar um fósforo e uma lata de gasolina e ficar a ver arder.

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  3. Estou de acordo com a Izzie. E sendo filha de professora conheço crianças realmente hiperactivas, com o problema devidamente diagnosticado, que não são malcriadas. O autor tem alguns textos menos delicados, mas aqui atacou os paizinhos de perna traçada, que se acham entes sobre humanos porque puseram uma criança no mundo e que se recusam a dar-lhes, em casa e em privado, o mínimo de educação - e em público não se maçam a levantar-se da caeira, afastar a criança até que acalme, e desculpam tudo com o termo (que acham "chic") da hiperactividade, achando-se pais bacanos e modernos. A culpa não é das crianças que hiperactivas ou não, têm energia de sobra. é dos pais que não têm um pingo de civismo...

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