Aqueles que me vêm lendo sabem-me fanática com a significação exacta das palavras. E se cedo às redundâncias por uma questão estilística (ai amigos se me conhecesses ao vivo veríeis o que eu gosto de uma redundância, de um pleonasmo, numa espécie de esbracejar linguístico bem à português), não deixo que os floreados e nem as interjeições, às vezes em demasia, me façam perder o Norte e me deixem à deriva no que toca às opinações (também gosto de inventar palavras).
Pois hoje venho aqui esclarecer -- e desde já peço perdão por este "esclarecer" de algum modo poder sugerir que vós precisais de esclarecimento, não, de modo nenhum o queria insinuar, vede isto como se de serviço público se tratasse, eterna optimista que sou e crente de que mais do que três leitores cá virão. Tende paciência, amigos.
E é a noção do subsídio que me anda a chatear a molécula. Subsídio, subsídio, subsídio, assim escrito três vezes a ver se se quebra o feitiço e em jeitinho de Candomblé volta o seu a seu dono. Vejamos então, começando pelo começo, a etimologia (merci, Priberam, agora e sempre).
Subsídio,Atentemos concretamente ao número 3, o tal que fala da quantia atribuída para um fim específico, e cuja ilustração me parece muito adequada. E, se ainda me estais a ler algo já enfastiados porque não se ouve falar de outra coisa senão dos subsídios de férias e de Natal (será que agora se escreve com letra pequena?), dai-me apenas mais uns minutos da vossa atenção, que eu prometo arrepiar caminho.
[Substantivo masculino (do latim subsidium, -ii, tropas de reserva, reforço, socorro, auxílio.)]
1. Quantia com que o Estado ou outra corporação concorre para obras de interesse público. = SUBVENÇÃO
2. Quantia atribuída por uma entidade para um fim específico (ex.: subsídio de desemprego, subsídio de férias).
3. Aquilo que concorre para um fim determinado. = CONTRIBUTO
4. Auxílio; socorro; benefício.
Os nossos, perdão, os ex-subsídios-de-férias-e-de-Natal-dos-funcionários-públicos-mas-que-agora-são-do-governo, não são subsídios nenhuns.
Não!?
Não.
O nosso salário anual é, por uma cortesia extrema para com os empregadores e para com o Estado, que na altura dos subsídios se vê com uma fatia de ordenado mais gordinho para taxar, um empréstimo que os trabalhadores, gente que gosta de trabalhar e sentir o sol secar as pérolas de suor que teimam brilhar em suas frontes cansadas, ouvi dizer, que eu detesto transpirar, gentilmente concedem a seus patrões pela mui digna honra de estar ao seu serviço. Um empréstimo. Em-prés-ti-mo. Nada mais. Nada menos.
O que importa realmente é aquilo que a malta recebe ao fim do ano, a ver se os sortudos-abençoados-trabalhadores com cargos mais interessantes não negoceiam o seu salário anual e os bónus e prémios. Estes são, apenas, detalhes técnicos, palavras, porque o que importa no finzinho é o carcanhol que vem para casa, cá por mim até se podia chamar Efigénia, Clotilde, ou marmita, redunda no mesmo.
O subsídio que o estado nos (funcionários públicos) vai tirar a pretexto da Troika e da crise e da Madeira e..., não é subsídio e sim e tão somente uma parcela do ordenado que eu emprestei ao Estado, parcela essa que eu deixei que ele não me pagasse durante os primeiros seis meses meses do ano, mas que permito que pague e me faça sentir por uns instantes que é Natal.
Parcelas!? Álgebra. Sim, só um bocadinho.
O estado, que deve pagar W de salário anual, resolve dividi-lo em 14 suaves prestações mensais, pagando por isso, em cada mês,
mas, duas vezes por ano, paga-nos dois salários, e em Maio e Novembro recebemos(1/14).W = 0.0714W = 7.14 % do nosso salário anual
14.28% do nosso salário anual
Pelo contrário, podíamos receber pelos meses que efectivamente trabalhamos (e aqui não vou entrar em questiúnculas de só trabalharmos onze meses) e receber, mensalmente,
ou seja receber mais 1.19 p.p. (pontos percentuais, amigos, eu um dia venho cá explicar porquê, agora não me apetece) de carcanhol por mês.(1/12).W = 0.0833W = 8.33 % do nosso salário anual
Fora a parcela que o governo me roubou de ordenado, irrita-me que o Estado me passe um atestado de imbecilidade e que me diga "olha pá, tu não te governas bem, deixa cá que eu obrigo-te à poupança mas depois devolvo-te tudo". Juros?! Nã, esquece, tu é que tens de pagar pelo favor que te faço, ó perdulária, ainda vais gastar tudo em sapatos ou carteiras, coisa que eu pago com a tal subida de escalão de IRS.
Cá pelos US o marido recebe pelos meses que trabalha oficialmente, que são nove -- na verdade o pobre trabalha o ano todo e tira p'raí uma semana de férias, se tanto, mas enfim, isso são contas de outro rosário. Amantíssimo esposo recebe nove meses por ano e nos outros não recebe, ponto final. Tem de poupar, ter juízo, e não comprar a esta sua gaja todos os sapatos e carteiras que esta (aparentemente, perante seu governo) insiste em possuir (ouvi dizer, mas vê-los que é bom, nada).
Tudo então para dizer que o que o Estado está a tirar não é um subsídio, não é um bónus, não é um presente pelo trabalho bem feito, é uma parcela do ordenado, bolas. Fatia essa que eu ia usar para arranjar a dentuça, que bem precisa de um refresh (mania dos americanos terem todos dentes brancos e certinhos, tão lindos, como nos reclames da Colgate...), ou botar na poupança, que anda quase anorética.
Humph. Espero não ter de cortar nas bolachas.
[Ainda googlei as expressões "décimo terceiro mês" e "subsídio de férias", queria saber quando surgiram e por obra de quem, mas não consegui, pelo que considero este texto uma abordagem muito crua à questão do subsídio, mas por ora terá de servir.]
Gostei do teu ponto de vista, muito bem explicado...
ResponderEliminarJorge
Jorge,
ResponderEliminarObrigada pelo comentário. Não é tanto um ponto de vista como é a mais pura das verdades, o subsídio ou o que quer que lhe chamemos é uma fatia do ordenado que nós emprestamos ao Estado. Acho inacreditável que ainda ninguém em Portugal tenha vindo para a praça pública dizer isso mesmo, estou em choque!
Li que já foste emigrante. Eu estou seriamente a considerar emigrar (mesmo morando cá nunca me decidi com o coração todo, e por isso acho que não conta -- sorrisos). Nunca pensei que chegasse tão baixo, sinto-me roubada. Roubada, pá.
Um sorriso solarengo porque é Domingo!