quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Maria Bê, "bê" de bocejo

17 de Agosto, 23:59
Maria Bê sucumbe ao bocejo e apaga a luz, não há mais google reader para ninguém. Enquanto se aninha nos lençóis e pensa que talvez a noite exija a mantinha verde, pousa a cabeça na almofada, afasta a madeixa de cabelo que lhe está a comichar o nariz, fecha os olhos e, naqueles últimos minutos de lucidez antes de adormecer, suspira e espera estar enganada, está cansadíssima e a precisar de uma boa noite de sono.
18 de Agosto, 01:02
Há gritos do quarto ao lado do de Maria Bê. A cria está inconsolável. Maria Bê levanta-se, vai ver o que se passa. A cria, a de Maria Bê e não a dos vizinhos de baixo, está farta de estar no berço e quer sair. A criatura está irreconhecível, parece que tomou speed -- pensa Maria Bê que nunca tomou mas já viu nos filmes. A cria está impossível. Salta, salta, salta, parecem ser onze da manhã (sê-lo-ão em qualquer parte do mundo que não interessa ao agregado familiar que entretanto acordou ainda que gostasse de continuar adormecido).
Cria de Maria Bê põe à prova toda a paciência de que Maria foi dotada e ainda conseguiu juntar, grão a grão, migalha a migalha, bago a bago. Cria salta, canta, e corre. Cria não quer dormir, tem mais energia que o Faísca MaQueen antes da prova. E salta. E canta. E corre. Assim como o relógio, que marca as duas e as três da manhã, como deve, claro, mas que Maria não precisa assistir, pois que nele confia enquanto não falha a luz.
A toda a brincadeira, também dividida com a avó, que entretanto é chamada à festa, sucede-se a tentativa da mãe da cria de a pôr a dormir. Esta debate-se, faz uma birra que, pensa a senhora sua mãe e esta mui vossa amiga que vos escreve, acorda todo o prédio (ou pelo menos os vizinhos das fracções adjacentes). Os esperneares, esticansos, e demais gestos que só demonstram o quão bem nutrida e forte está a criança são recebidos com algum agrado pela mãe agastada, que os julga aceleradores do sono.
18 de Agosto, 03:16
Cria sucumbe ao cansaço. Maria Bê deita-se, desta vez já com a mantinha dobrada ao meio a tapar o tronco. Tem sono e tem frio. Está cansada e só quer dormir.
18 de Agosto, 04:12
A cria aos berros acorda Maria Bê, que pensa imediatamente se aquando da celebração do contrato deixou escapar algumas letrinhas miúdas e que dizem respeito às devoluções ou trocas. Vai buscar a cria. Não está tão enérgica como antes, mas continua a querer brincadeira. Maria não acha piada nenhuma a isto e trata de pôr cobro da melhor forma que sabe, pois que venham a birra, o cansaço, e a consequente exaustão. E a cria contorce-se, parece uma enguia que tenta, inutilmente!, escapar-se ao abraço dos braços fortes da sua mãe, que se parecem multiplicar por dois ou três e amparam qualquer tentativa de fuga. Cria percebe a ideia depois de acordar novamente os vizinhos. Pede leite como quem pede água (confunde os dois, ambos são "auéi") mas a mãe entende (não sem antes ter oferecido a bebida errada).
18 de Agosto, 05:24
Maria volta a pousar a cabeça na almofada. Ainda escreve ao pai da sua filha a dizer-lhe que está exausta. Também lhe apetece escrever que ser pai assim à distância é fácil mas contém-se, afinal o gajo anda cheio de saudades e não vale a pena, não importa o que diz o poeta.
18 de Agosto, 11:19
Maria acorda com a certeza de que a sua alma é pequena. E que tem de repensar seriamente esta ideia peregrina de revisitar a maternidade. São demasiados "re" para aquela hora da manhã que parece ser bem mais cedo. Serão, aliás, e não importa o que marca o relógio, talvez umas sete e meia. Maria Bê assim as sente.

4 comentários:

  1. Credo! Mas está possuída, essa menina?! É costume ou foi uma coisa isolada? Será que aprendeu a fazer alguma coisa nova para estar tão excitada como se tivesse acabado de aprender a andar?

    (um) beijo de mulata

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  2. Beijo de Mulata,
    Pois pareceu coisa do demo, mafarrico energético que se entranhou nas fibras da minha (habitualmente) doce criatura!
    Felizmente para a minha sanidade mental que foi coisa isolada, desde os dezasseis meses que dorme a noite toda. Não sei o que o causou, não me apercebi de nada novo, fosse acto, brinquedo, pessoa, bicho, ou local. O que me surpreendeu mais foi a energia louca.
    Hum... agora que penso nisso... anda a descobrir as birras e a demonstrar à mãezinha que os "terrible twos" não são uma urban legend. Haja paciência... doses infinitas de paciência.
    Um sorriso matinal!

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  3. muito bom! adorei a descrição. já tive umas quantas noites dessas, proporcionadas pelas duas crias aqui de casa, mas não tenho a tua presença de espírito para as descrever desta forma. normalmente fico possuída por uma coisa má (não me dou nada bem com a privação do sono...), e acho que eles acabam por adormecer com medo da minha cara mal-dormida!
    felizmente também são eventos raros, cá por casa!

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  4. Bee,
    Eu também fiquei possuída, não deixes que as piadolas te enganem! A mini bolacha ainda não se assusta com uma cara feia mas lá chegaremos...
    A esta noite seguiu-se uma noite descansada e depois outra com potencial de se assemelhar à noite descrita. Cortei o mal pela raiz e tem sido um descanso desde então.
    Um sorriso de boas vindas!

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