terça-feira, 5 de julho de 2011

O amor nao se importa com os acentos

Talvez seja de propósito que a palavra amor não tenha acentos e nem cedilhas. Poupa-me pelo menos ao embaraço de estar para aqui a debitar ternuras atrás de ternuras num teclado que não se compadece deste meu sentir e assim quase me obriga a escrever abraco em vez do abraço desejado (sei escrever abraço porque a minha sogra, querida como só ela, termina os seus emails com beijinhos e abraços, cujo "ç" aparece magicamente quando se prime alt+135). De qualquer modo teria sempre um xi, palavra que a minha filha reconhece e distribui, quer verbal quer fisicamente, com aqueles bracitos que de tão curtos conseguem apenas envolver o meu pescoço e isso chega muito bem.
Deixámos, marido e eu, o hotel perto das nove e meia (eram precisamente nove e trinta e quatro mas eu não quero dar o ar de quem olhou para o relógio com o cuidado necessário para memorizar a hora, acho bem mais cool fingir que não me importo com essas coisas). Queríamos voltar para San Rafael a tempo de ver a cria antes da sua afternoon nap. Saudosos, não nos ocorreu (ou não quisemos que ocorresse) que excitar a rapariga com a surpresa do nosso regresso fosse um antídoto para o sono e não exactamente um sonífero. Tontos!
Deu-se 'a porta de casa o reencontro. O pai ficou lá fora a estacionar o carro enquanto eu, mãe como todas as mães, nem esperei pelo completo parar do carro para lhe dizer "I'll see you back inside". E assim bati 'a porta de vidro que divide a sala do pátio, pés em bicos como se isso ajudasse a ver alguma coisa ainda que o meu problema fosse a ausência de pessoal e não exactamente um obstáculo vertical. Parece-me esta posição ainda menos adequada quando penso que o objecto do meu querer não mede ainda nem um metro de altura, mas fazer o quê.
Bati 'a porta e isso espicaçou-lhe a curiosidade. Ouvia, dentro de casa, a avo' dizer-lhe "mommy is here, mommy is here", termo que eu durante muito tempo escrevi com "u", 'a inglesa, até que coincidentemente me ocorreu que também queria dizer múmia e logo ali me converti ao americanismo.
Olhou-me com aqueles olhos cinzentos a fugir para o azul que também dizem olá ao verde, olhos perscrutadores, ar de nada. Sorriu calmamente e inclinou a cabeça até a encostar ao vidro. Baixei-me, cada uma no seu sítio. Não correu para mim como se vê nos filmes, ficou ali, cabeça encostada ao vidro, peso apoiado ora numa ora noutra perna. O sorriso continuou calmo, os olhos continuaram sérios. "Flor, a mãe já chegou", murmurei no tom mais terno que consegui. Aproximei-me dela e peguei-lhe ao colo. "Up, up", disse durante a viagem do chão até ao alto do meu metro e sessenta e pouco. E então enfiei os lábios naquele cantinho doce e inspirei profundamente. Os beijos vieram depois. Meigos, depois sonoros, que afinal estava entusiasmada por a ver. Deixou que a abraçasse e a beijasse sem se debater. E assim ficou, no meu colo, até o pai saudoso a vir desprender do meu abraço, cheguei mesmo a dizer-lhe "you have to pry open my arms to get her", que é como quem diz traz daí o pé de cabra ou não lhe pegas de modo algum.
Todos os três mais felizes por estarmos juntos, fica-nos a cria com febre, avisa o termómetro 103F (39.4C). Andou a coçar o ouvido esquerdo durante o dia, diz-nos a avo'. Bonito... nada como uma febrezinha para dizer a uma mãe "tive saudades tuas". Eu também.

Nota acentuada e devidamente cedilhada: Ia bem lançada nos caracteres quando me lembrei que a Jonas das nozes disponibiliza aos necessitados um corrector ortográfico, o FLip, que tratou de tornar mais legível texto. Ainda que eu não desgoste completamente do ar sarapintado que lhe dão os apóstrofes a servir de acentos, o antes da letra com um ar grave e o depois da letra nem obtuso nem recto, agudo, se faz favor.

2 comentários:

  1. A saudade por vezes também é algo bonito... pelo menos na tua forma de escreveres e de ser mãe.

    Tens uma janela de publicidade a aparecer cada vez que entramos no blog.... aposto que veio associada ao mapa com os pontinhos vermelhos das visitas.

    Jorge

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  2. Hum!... a mini miss Bê não apreciou muito o afastamento ... acho que a febre só confirma todo o alvoroço que andou na sua alma pequenina quando te procurava e não te encontrava...
    Mas agora tudo está bem.

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