sexta-feira, 22 de junho de 2012

[Em repouso*] Queridos vizinhos...

Queridos vizinhos,
-- começo tentativamente empático --
Começo esta minha missiva com um conjunto de realidades que são inegáveis. É uma perfeita chatice vivermos todos encavalitados tipo formigas, térmitas, ou abelhas. Antes fôssemos todos ricos e pudéssemos comprar maisons afastadas uns dos outros (e de estradas barulhentas, comboios, ou demais meios de transporte, gentes com cães que latem ininterruptamente e, já agora, galinhas, galos cantantes, ou rolinhas, malta adepta da jardinagem que teima em cortar relva pela fresca, vizinhas que se interpelam sonoramente a distâncias impensavelmente propícias ao tête-à-tête...) mas hélas, somos todos uns tesos e por enquanto há que aceitá-lo (sem contudo esmorecer no esforço de conseguir um futuro melhor -- e de preferência bem longe de mim).
Infelizmente também é um facto que, apesar das promessas do nosso construtor, que tantas vezes jurou que este prédio tem acabamentos de luxo, placas blá blá blá, isolamento acústico, espuma blá blá blá entre os andares, zzzzzz zzzzzzzzzzzz, todos temos pavimento flutuante que é uma treta e portanto o som propaga-se, viaja, circula, para baixo e/ou para cima, e vem fornicar os meus ouvidos de sensibilidade quase maníaca ao barulho.
Pois é, talvez a culpa não seja dos meus pobres ouvidos, seja minha mesmo, gaja pouco tolerante a tudo quanto são invasões do meu espaço, que é, segunda minha visão/ideal, entre tantas outras coisas, silencioso. Mais vos digo que estar trancafiada em casa há três semanas só tendo saído três vezes, duas para ir à obstetra e uma para ir ao dentista, não é fácil e uma gaja começa a ficar (mais) intolerante.
-- o ataque subtil --
Mas também é um facto que vocês abraçaram esta inevitabilidade da convivência forçada com uma desnecessária displicência, tomando como fait accompli o incómodo que causamos uns aos outros.
Vede, não havia necessidade de agredirdes o chão com vossos calcanhares como se ele vos tivesse esbofeteado e fosse com desmedida sede de vingança que vossos delicados pézinhos pousam sobre ele enquanto vos deslocais. Também não havia necessidade de brincardes com bolas, que driblam pelo chão num pum pum pum, pum-pum-pum ritmicamente irritante. E nem as cadeiras que teimosamente arrastais necessitam gritar tanto, podíeis sufocá-las um pouco com aquelas pantufinhas que o supermercado vende e que até protegem o chão de riscos. As máquinas a funcionarem entre a meia noite e a uma da manhã, hora mais económica para quem tem tarifa discriminatória, também são uma chatice, meus queridos. Os brummmmmmms e tec tec que fazem perturbam o descanso de outros que, certamente preguiçosos, planeiam descansar a tão pouco adiantadas horas.
-- o pedido --
Venho portanto pedir-vos, o mais delicadamente que sou capaz, que parem de fazer barulho estupidamente. Se há um puto em casa a correr, eu entendo. Se há uma festa de aniversário à uma da manhã, eu entendo. Se há um jogo da selecção e o ânimo é desenfreado, eu entendo. Os berros da criança que chora às três e meia da manhã, eu entendo (e sou solidária!). Agora o que eu não entendo é que gente supostamente educada ignore o estardalhaço que faz.
-- mea culpa, tentativa de passar a mão pelo pêlo --
Sou a primeira a dizer que no meu apartamento também se produz mais ruído do que eu consideraria aceitável. A minha cria, de dois anos e nove meses, adora correr e dar saltos. Estando muito tempo sossegada, é acometida de momentos de loucura e não há quem a segure. Obrigá-la a saltar em cima do tapete ajuda mas não resolve, bem sei. Mas a dita cria ruidosa tem, como disse, dois anos e nove meses, e é desprovida de discernimento que lhe sugira que é incorrecto o seu comportamento pelo que, apesar de ser a primeira a encostar o dedo indicador aos lábios e balbuciar um "xiu, não faz baiúlho" quando eu falo mais alto, gosta de um bom salto barulhento.
-- a ligeira ameaça: eu podia ser uma cabra --
Mas digo-vos também que, no que posso, sou excepcionalmente cuidadosa com vosso bem-estar mental. Cá em casa, por motivos higiénicos, não se usam sapatos. Mas também não se usam chinelos com solinhas duras e nem daqueles de quarto com peninhas e saltos em bico cujo toc-toc-toc os faz anunciar com pelo menos sete segundos de avanço. Também os calcanhares se pousam sobre o chão com cuidado e não em ataque. As máquinas funcionam tarde, mas antes das horas impróprias. A música nunca está alto, e nem a televisão.
-- reiteração do pedido e despedida --
Venho portanto pedir-vos um pouco mais de atenção, de vigilância, de cuidado na emissão de ruído. Um poucochinho mais de cuidado ao caminhar e pantufas nos móveis, é só. Coisa pouca, como podeis constatar.
Muito grata pela vossa atenção, cordialmente,
A vizinha do 4.4, Maria

O que eu realmente gostava de lhes dizer:
"Meus grandessíssimos cabrões: parem de fazer barulho!!!! Caminham como elefantes gordos e pançudos e as putas das cadeiras estão a dar-me cabos dos nervos. Parem lá com essa merda, grandes bestas mal educadas".**

*Os meus nérfes andam em franja. Sou uma grávida em repouso, há que ter tolerância para comigo.
** O que me vale é que sou bem educada e só os comparei aos elefantes. Eles são mesmo gordos, parecem hipopótamos.

6 comentários:

  1. Ahahahah
    Eu compreendo. Quando trabalhava em casa, e tinha de produzir texto, analisar dados, etc., não havia quase dia em que não houvesse obras... (48 condóminos em prédio de cerca de 30 anos). Mas o pior mesmo é que ninguém avisava (porque, se eu soubesse, organizava-me para ir trabalhar em bibliotecas e afins). Agora fiz eu e pus um papel na entrada do prédio com referência a legislação, previsão da duração, etc, para ver se dou o exemplo...
    Coragem e paciência!

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    1. Filipa,
      48 condóminos!?!?!?!? Cruzes!!!!
      Os meus de baixo até são porreiros (apesar de que a rapariga caminha com os calcanhares e ela quem arrasta as cadeiras). Os de cima são uns burgessos que um dia, quando a minha mãe se foi queixar, vieram atrás dela até nossa casa refilar. Gente a quem o dinheiro só deu obesidade mas não nível.
      Um sorriso!

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    2. Sim! São 12 andares x 4 por andar...
      Assim mesmo de vizinhos não posso queixar-me grande coisa, a não ser que a senhora do lado que tem 90 anos fecha a porta sem ter cuidado (deve estar surda) e de vez em quando apanho cada susto! É como se estivesse a bater com a porta, sabes?
      E sim, o dinheiro não dá nível, a educação - com ou sem dinheiro - é que sim :-S
      Beijinhos e paciência para ocê e recheio ;-)

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  2. Barulho dos vizinhos é tramado... os nossos, de cima, têm um cão que quando fica sozinho uiva, muito e muito alto, seja dia ou noite, e quando está gente em casa corre desvairado pela mesma... é uma animação. O pior é que não podemos dizer nada porque, além de termos dois rebentos muito, mas mesmo muito, barulhentos, os senhores avisaram-nos logo que mudámos que se ouvíssemos barulho não valia a pena lá ir dizer nada... uns simpáticos...

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  3. Eu chamava a polícia. Como aliás chamei quando morava na casa da minha mãe e os estafermos dos vizinhos tinham um projecto de cadela que latia ininterruptamente quando estava sozinha. Há gente que devia viver no meio do mato (mais ou menos como eu, sem vizinhos).
    Um sorriso beijocado!

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    1. Os senhores não têm culpa que o cão seja assim... além de que o cão nem sempre cá está, desconfio que seja dos filhos... e depois, os nossos filhos valem por dois cães, em termos de barulho ;)

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