Hoje sei que fui má mãe. E não, não escrevo com sarcasmo, com ironia, ou a tentar ser engraçada. Hoje, sei, sinto-o, fui má mãe. Ou não fui boa mãe, o que redunda no mesmo.
Há já algumas noites que a minha filha não dorme bem. Acorda, chama-me. Mamããããã! E vai aumentando o volume até que, rendida ao facto de que não voltar a adormecer, me levanto e vou ver o que se passa. Normalmente encontro-a de pé, uma perna de fora do berço como se fosse tentar sair por ela própria. Fá-lo sem convicção, ambas sabemos que tem medo de cair como já aconteceu no passado e se estatelou, de cabeça, no chão. E espera-me ou ao pai assim, de perna de fora. Também já aconteceu ir encontrá-la toda nua, a dizer "cocó, cocó", seguido de um "piúúúúúú", que é um "blherc" mas à americana que a minha sogra lhe ensinou. E se ontem foi uma fralda com algum chichi, hoje foi a sede. "Auei, mama, auei". Voltou à cama depois de uma fralda nova, uns golinhos de água, e um "Is ca pé", a música do Verão e que não é mais do que o verso "Diz também que me adoras" da música do Barney.
Às oito da manhã já estava a chamar por mim outra vez. Abri os olhos como se estivesse a abrir umas portas pesadas de dobradiças presas. Sentia-me amarrada ao sonho que ainda estava a ter, perdida, nem acordada nem a dormir nem coisa nenhuma. "Mamããããããã". Levantei-me a custo, tonta. O pai já lá estava, a fralda já estava mudada.
Vimos para baixo, despe-se. "Chichi, mamã". Vai buscar o pote. Senta-se. Levanta-se. Corre pela casa. Marido diz-me que ela não pode andar assim, vai fazer chichi ou cocó no chão ou no tapete ou sofá e não pode ser. Ele sobe ao primeiro andar para tomar banho. Passado um bocado ela chega à minha beira já nua. Não quer fralda, não quer calças, não quer camisola. Também não quer meias nem sapatos, tem os pés frios.
Passam umas horas e já ambas temos o banho tomado. Mais uma luta para por a fralda. Não se quer vestir. Pomos a fralda no Coelino, ligo a caixa de música com as joaninhas que toca o Fur Elise mas nem o rodopiar das joaninhas a distrai. Entretanto está muito congestionada, é preciso pôr soro no nariz e aspirar a ranhoca. Nova luta. Peço-lhe que pare, faço cara feia, dura, digo-lhe mesmo "stop". Nada a demove. Levanto a mão. Pergunto se quer "tau-tau". Diz-me que sim. Eu ignoro sorrindo um sorriso só meu. Continua a debater-se. Digo-lhe outra vez "tau-tau". De repente nem penso, uma palmada.
Faço-lhe entretanto o almoço. Sobrou pato ontem do jantar e eu acrescento-o ao arroz que estou a cozer. Costuma gostar muito de arroz de pato. Telefona a minha mãe enquanto cozinho. Digo-lhe que estou cansada, que estou aborrecida, talvez com um PMS medonho. Discutimos viagens, discutimos o desfraldar da miúda, discutimos as férias de Natal que se aproximam. No meio disto tudo discutir é a palavra certa, estou incapaz de conversar. A miúda já está outra vez sem calças. E tira a fralda. Não se quer sentar no pote. Vai andar de triciclo enquanto diz "fesquinho".
Lá a convenço a pôr a fralda, o arroz já arrefeceu o suficiente para que coma. Até ligo o Pocoyo. Cospe o arroz e o pato. "Prrrrrrrrrrgh" vem tudo fora, não quer nada. Desligo a televisão, mostro-lhe que sem o arroz não há Pocoyo. Está chateada. Eu estou para além disso, a paciência e ternura infinitos que imagino apanágio das mães perfeitas hoje não me assistem, não lhes vislumbro nem uma sombra. Ela não quer nada, só quer tirar a fralda. E tira.
Já nem o que leva a quê. Levanto-me irritada. Chego à banca da cozinha e pumba, atiro com o prato para dentro da banca com violência. Rico exemplo, penso. Há arroz e pato e prato por todo o lado. Isto de partir a loiça é muito bom nos filmes ou nas novelas mas nem por isso na vida real, onde os pratos estão sujos e a comida tem gordura. A miúda está estarrecida. Quer colo, quer vir para minha beira. Agora há pedacinhos de louça pelo chão, pode cortar-se. Não há colo. Chora.
E eu só quero sair daqui. Só quero que alguém lhe dê um colinho por uns minutos. Até nem quero que a sujeira que fiz seja limpa, não. Só quero que alguém tome conta da miúda para eu apanhar ar.
Há dias assim. Hoje foi um deles.
Nota: Eu tenho uma vida muito porreira e sei-o. Mas viver com um marido workaholic numa cidade onde não tenho ninguém para tomar conta da miúda para eu poder sair por umas horas e tratar de mim ou das minhas coisas custa-me muito. Há mães que levam os filhos para todo o lado e adoram. Eu não. É uma chatice levá-la, por exemplo, às compras. Nem sempre nem nunca. Eu nunca tenho o sempre. Eu tenho sempre o nunca. E a escola, não ajuda? Sim, ajuda. Mas ela está na escola nem chega a três horas. Parece que acabei de me sentar, responder as uns mails, e já é hora de a ir buscar. Almoça. Faz uma sesta de poucas horas e tudo recomeça. Quero sentar-me a escrever, a trabalhar, as interrupções são constantes. A vida não pára e há sempre coisas a fazer. E estou cansada. Hoje estou mesmo muito cansada.
Vá, já passou.
ResponderEliminarCom ela, a mini-miss Bê trouxe todo o pacote a que tinha direito e que, por acaso, estava incluído, escarrapachado, naquelas letrinhas pequeninas que ninguém lê - tal como nas ap. de seguros.
Para que não restem dúvidas, a esse sentir ser menos boa mãe, chama-se CANSAÇO.
Um bébé a dormir mal quase consegue dar cabo da harmonia familiar, portanto, sempre que puderes, dorme quando ela o faz. O resto? isso também se resolve, mais tarde. Palavra de Micas.
Euzinha,
ResponderEliminarque nem sou mãe,
até acho que todas as mães passam pelo mesmo,
isto é,
tenho mesmo a certeza que todas as mães sentem os mesmos "remorços! e "frustrações" E "cansaços".
Conclusão,
ÉS UMA MÃE GAJA NORMAL!!!
Ai querida, não penses assim, tu hoje não foste uma má mãe. Foste mãe, só isso. Não há mães perfeitas, não há mesmo. Não há mãe nenhuma que não perca a paciência, que não grite, que não dê uma palmada, que não atire com um prato cheio de comida. NÃO HÁ!!!
ResponderEliminarEstás cansada e é normal que tenhas agido assim. Ela não vai amar-te menos por isso, nem vai achar que foste uma má mãe. Quer dizer, durante a adolescência é bem capaz de pensar, mas isso passa.
E se nada disto que disse agora te ajudar, então ainda te digo que aqui há dias tive uma cena parecida com o meu mais novo, que é tão teimoso, mas tão teimoso, que só não me tira do sério todos os dias, porque eu faço um esforço faraónico, hercúleo mesmo, para me controlar. Mas, dizia eu, há dias passei-me com o mais novo, que gritava como se o estivessem a matar sem que ninguém lhe estivesse sequer a tocar, e dei-lhe um palmadão tal que ao fim de meia hora ainda tinha a marca da minha mão... E se houver alguma mãe que me diga que nunca o fez, a primeira coisa que lhe pergunto é se os drunfos são bons!
Dorushka,
ResponderEliminarSe soubesses a gargalhada que dei com a dos drunfos! Oh pá, eu não quero ser a mãe perfeita, até porque acho que não existe, mas queria ser mais paciente. A maternidade é uma profissão a tempo inteiro e nas horas vagas, eu sei, mas este meu cansaço é porque estou 24 sobre 24 horas de serviço, e ultimamente nem ao fim-de-semana tenho folga. Estou exausta.
Obrigada por me fazeres descer à terra das mães que perdem a paciência mas que nem por isso são más, e que gostam tanto dos seus rebentos apesar disso.
Um sorriso!
O meu marido sempre teve o sonho de emigrar e eu nunca lhe dei grande apoio exactamente porque não sei se tenho estofo para arcar com tudo sozinha... Se há coisa que eu prezo é ter por perto quem me renda de vez em quando, para eu não enlouquecer.
ResponderEliminarPosso deixar-te um conselho? Porque não contratas uma babysitter por umas horas e vais fazer algo que te dê prazer, sem pressas e sem preocupações? Pode não ser muito, pode não ser o suficiente, mas já é alguma coisa.
Beijocas
Dorushka,
ResponderEliminarEmigrar tem as suas coisas boas também. A primeira é, obviamente conhecer culturas e hábitos diferentes dos nossos (jantar às cinco e meia!?!?!). A sensação de liberdade também é boa, o pensar às vezes "eu consegui". Mas o lado mau é muito aborrecido. Fora as saudades, custa-me saber que a minha filha não terá as mesmas referências culturais que eu, por exemplo o crescer com os avós, ir a pé para todo o lado... estas serão apenas experiências de férias. E a língua, ai valha-me a gramática... a miúda já diz tudo em inglês!!!!
A tua sugestão é muito boa e eu gostava muito, mas o meu marido opõe-se veementemente. Acha que quem quer que esteja disposto a aceitar meia dúzia de trocos para tomar conta de uma criança não é digno de confiança. E depois tem uma lógica absurda: não conheço nenhuma babysitter mas também não quero conhecer. E como não quero conhecer, não conheço. Pode!?!?!!? Felizmente a minha mãe vem cá passar o Natal (eu preciso de trabalhar e não estou a conseguir fazer nada) e já me vai libertar um pouco.
Obrigada pelo teu carinho!
Um sorriso!
Pelo amor de Deus, que raciocínio mais arrevesado, o da sua cara-metade... O conselho da baby-sitter é sábio.
ResponderEliminarHá muitas baby-sitters que sabem precisamente o bem que fazem às famílias e têm esse espírito de missão (geralmente são irmãs mais velhas de uma longa fratria que cedo perceberam que as suas próprias progenitoras ficavam muito, mas muito aliviadas quando as rendiam na tarefa de cuidar dos mais novos). Há que pedir referências a quem já as conhece e não negar à partida uma baby-sitter que se desconhece!
(um) beijo de mulata
Não foste má mãe, que ideia! Eu sei que não percebo nada de maternidade, mas olha que a menina te deu conta do juízo. A minha sobrinha, ali entre o ano e meio e os dois anos também era uma peste, com o querer fugir da cama de grades, recusar comida e cuspir. Não sei, se calhar anda a testar os limites, acho normal e até saudável que os pais se zanguem e ralhem.
ResponderEliminarNem quero pensar na trabalheira que é ser mãe a tempo inteiro. No infantário eles ainda respeitam as regras, é um ambiente estranho, mas em casa às vezes abusam. É um trabalho extenuante, e é normal estares cansada. Não há a possibilidade de a deixares no infantário um dia inteiro, ao menos uma vez por semana? Três horitas não dá para descansar, nem sequer para organizar a casa, quanto mais!
Beijinho carinhoso e não sejas tão dura contigo!
Querida BdM,
ResponderEliminarGostei muito da escolha cuidada do adjectivo, a mim ocorrem-me outros bem menos simpáticos. É um, como se diz por cá, catch 22 ou, como se diz por aí, uma pescadinha de rabo na boca. Independentemente da língua, uma chatice tremenda.
Por aqui não conhecemos muitos casais com filhos (só conhecemos um) e as referências são escassas, mas ele está cada vez mais aberto à questão. É difícil mudar mentalidades (hei-de escrever sobre isto). Obrigada pela sugestão anyway, é sempre apreciada e bem vinda!
Um sorriso já menos hormonal!
Izzie,
ResponderEliminarDou graças a Deus por a minha filha ainda não se ter apercebido que pode testar limites. As coisas que faz, penso eu de que, nunca são movidas por um espírito de confronto mas porque não quer/apetece/acordou assim. Anda com a mania de tirar a fralda e dizer "chichi" e depois não faz nada, nunca quer meias nem pantufas (anda sempre com os pés gelados, esta casa tem tijoleira horrenda por todo o lado), não quer casaco nem camisola, às vezes nem quer roupa de todo. Bem sei que está a crescer e a ficar independente, a descobrir que tem vontades, mas isso é uma trabalheira.
A escola aqui é brutalmente diferente de Portugal (então os preços nem te digo!!!!), e mesmo o "dia completo" é até às duas e meia da tarde, com sesta incluída (há opções para pais trabalhadores mas aí já estamos a falar de custos astronómicos). Bom bom vai ser ter aqui a minha mãezinha, avó extremosa e amorosa e dedicada e paciente e querida e paciente e fofinha e paciente (mãe, estás a ler isto?!), quem vem em meu auxilio.
Outro beijo e um sorriso!
Ai se eu estivesse mais pertinho daí. Quando estivesses sem paciência ias dar uma volta e contar até mil. Ficava com a tua pestinha. Acredita que não és má mãe. Nós mulheres passamos por tudo isso. Eu com os meus netos também tenhos horas em que vou à casa de banho só para dizer uns f...se e depois já venho com outra estratégia a ver se lhes dou a volta. Não é fácil e há horas do car...lho. Isto é para te fazer rir. Grandes beijinhos. Mindocas
ResponderEliminarMindocas,
ResponderEliminarNem me fales!!!! Eu emprestava-ta por umas horas (aproveitavas e cortavas-lhe outra vez o cabelo, que já está a precisar -- nem imaginas o sucesso que tem feito!). Este post foi um desabafo, sabes. E suponho que tantos outros haverá...
Um sorriso!
Ai pensas que só os filhos fazem birras? Não,não!!! Os pais também as fazem... e não são poucas,com a agravante de não terem a liberdade de ver os Marretas só para adultos, para os entreter e esperar que a birra passe!!Os filhos também sabem dar colo, mimo e palmadas... Só assim é que o pacote se torna perfeito.
ResponderEliminarAnónima (Miss S.)
ResponderEliminarOra aí está!!! Foi isso mesmo que eu fiz, uma birra, com direito a prato no chão e tudo. Coisa que, se tivesse sido a cria a fazer, teria dado direito a uns time-outs consecutivos e uma voz dura a dizer "não, não, não!". Ainda bem que nesta casa a versão da democracia é "eu mando" (e quero e posso).
Um sorriso!
Maria Bê, este post foi realmente muito comentado...isto tudo porque de facto, de uma maneira ou de outra, já passámos por momentos idênticos...Parabéns pela coragem. Admiro-te muito. Um grande beijinho
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