Público, 15 de Junho, 2011 |
Se não estou em erro, a missão do Centro de Estudos Judiciários é a formação de magistrados (não estou, fui tirar isto à parte da missão). Que aliás continua com "[n]este âmbito, compete ao CEJ assegurar a formação, inicial e contínua, de magistrados judiciais e do Ministério Público para os tribunais judiciais e para os tribunais administrativos e fiscais". Ora formação, "inicial e contínua", mas apenas a nível de leis e decretos-lei (não são decretos-de-lei, como tantas vezes se ouve), sem perder tempo com coisas supérfluas como ética -- bem vistas as prioridades, o importante importante é passar nos exames e ter boas notas.
Permiti-me aqui um rápido disclaimer de que sim, também eu já copiei na vida. E deixei copiar que foi um miminho. Mas depois cresci, e à medida que as coisas foram ficando sérias deixei-me disso. Até porque as consequências da fraude foram sendo cada vez maiores. Publicado o disclaimer, voltemos então ao texto.
Então mas qual é, afinal, o problema de estes futuros juízes e magistrados terem sido apanhados a copiar? Obviamente que um problema fulcral, como aponta muito bem a Jonas das nozes, é terem copiado mal e assim terem sido apanhados. Mas este não é o maior problema.
O maior problema, a meu ver, é a impunidade com que passou o acto, o terem todos sido corridos a dez como se este pequeno safanão na mão fosse útil para alguma coisa. O maior problema, a meu ver, é portanto que quem quiser copiar no futuro já sabe que um vergonhoso dez na pauta é o pior que lhe pode acontecer. Não há expulsão, ou fazendo jus à nossa veia de "país de brandos costumes" não há repetição do exame, não há uma prova oral, não há nada. Esta ausência de punição resulta num descrédito brutal para a instituição, e é esta perda de credibilidade do sistema que faz com que este episódio anedótico e risível se revista de uma profunda seriedade para o país em que vivemos.
O dramático, a meu ver, é que, como escreveu tão bem o Fernando, "[o] funcionamento da economia de mercado, que a história do século XX mostrou ser fundamental para o aumento da riqueza dos países, não é possível sem a existência de um enquadramento legal e dos meios que tornem esse enquadramento efectivo."
Este texto, que o Fernando escreveu em Fevereiro de 2008 a propósito da tentativa de Portugal se aproximar mais de países como a Finlândia, é tão oportuno hoje como o foi então. O Fernando descreveu, aliás, o caso do aluno português participante no projecto Erasmus que, ao ser apanhado a desrespeitar as normas de conduta da universidade finlandesa onde se encontrava, foi convidado a abandonar o programa, fazer as malinhas e ala que se faz tarde. Ao que sei, estupefacta ante a falta de punição e excesso de desculpabilização que o aluno encontrou na sua universidade de origem, a universidade finlandesa retirou da sua lista de alunos aceitáveis os alunos portugueses. Assim, de uma penada, deu às escolas portuguesas uma lição de ética.
O que é que estas escolas aprenderam com o exemplo? Nada. Desconheço em qualquer escola portuguesa quaisquer regulamentos ou princípios que especifiquem as consequências do desrespeito pelos princípios éticos e actos de fraude académica.
Sem querer parecer deslumbrada sei que, por exemplo, nos EUA, há um código de conduta académica que estipula que um aluno apanhado a cometer um acto fraudulento sofre as necessárias consequências (não sei quais, mas estão explicadas). Mais, este acto ficará a fazer parte do seu academic record, aquele papelinho que depois é enviado para as entidades patronais a demonstrar que a pessoa tem a qualificação que diz ter e a falta de honra que não confessa no curriculum vitae.
Pela minha parte, enquanto formadora -- isto nos meus tempos de profissional, gaja trabalhadora -- faço o que posso, e há dois anos incluí nos programas das minhas disciplinas uma secção sobre fraude académica. Durante várias vezes ao longo do semestre fiz saber que alguém apanhado a copiar ou a plagiar num trabalho seria imediatamente reprovado sem hipótese de fazer a disciplina nesse ano lectivo, tendo obrigatoriamente que a fazer no ano seguinte. Disse-o também em voz alta antes de cada teste e obriguei os alunos a anuírem, bem à gringo.
Se resultou? Honestamente não sei.
Os dois alunos que apanhei a desrespeitar as normas de conduta académica, um com um copianço num exame, e o outro com partes num trabalho copiadas directamente da internet (seriously, eu também tenho google!) talvez tenham aprendido qualquer coisinha. Quanto mais não seja a insultar mentalmente a professora que se recusou a rever a sua postura e os obrigou a ir a fazer a disciplina no ano lectivo seguinte.
Eu fiquei genericamente a sentir-me melhor e com a sensação de dever cumprido. Claro que detestei ter os directores de curso à perna a pedir "mas não podes mesmo desculpar só esta vez", mas sou gaja teimosa. Perdão, determinada! Isto de ser exemplo é uma chatice... ainda por cima tenho de conduzir devagar...
Sem comentários:
Enviar um comentário